Índice de transparência da Moda Brasil 2020 revela quais marcas e varejistas prestam contas sobre suas práticas socioambientais

Em meio a pandemia e crise climática, sabemos pouco sobre como gigantes da indústria da moda têm amparado seus trabalhadores e preservado o meio ambiente 

O Fashion Revolution Brasil acaba de lançar a terceira edição do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB), durante o Rio Ethical Fashion, fórum internacional de moda e sustentabilidade. O ITMB 2020 revela em que nível 40 grandes marcas e varejistas do mercado brasileiro estão divulgando publicamente dados sobre suas políticas, práticas e impactos sociais e ambientais ao longo de toda a cadeia de valor. A análise abarca mais de 200 indicadores que cobrem tópicos relacionados a condições de trabalho, trabalho forçado, igualdade de gênero, igualdade racial, emissões de GEE (gases de efeito estufa), descarte de resíduos têxteis, reciclagem e circularidade, entre outros. 

Dentre as empresas pesquisadas, a pontuação média foi de 21%. Nas faixas de pontuação acima de 50%, aparecem C&A (74%), Malwee (68%), Renner (59%), Youcom (59%), Hering (57%), Havaianas (55%) e Osklen (51%). Mas a metade das marcas está concentrada na faixa de 0-10% e, entre elas, 13 zeraram a pontuação: Brooksfield, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Colcci, Colombo, Di Santinni, Fórum, Leader, Lojas Avenida, Lojas Pompéia, Moleca, Olympikus e TNG. 

A pandemia prova porque transparência é tão vital 

Com a crise sanitária e econômica desencadeada pelo coronavírus, a indústria têxtil e de confecção tem sido duramente afetada e seus trabalhadores são os mais vulneráveis. A forma como as empresas escolheram gerenciar essa crise mostra muito sobre as estruturas de poder e as verdadeiras intenções que conduzem seus negócios. 

Das 40 marcas analisadas no ITMB 2020, apenas 5 marcas (13%) divulgam suas políticas sobre pagamento de fornecedores, e 3 marcas (8%) publicam o percentual de pagamento dos fornecedores realizados no prazo e de acordo com os termos acordados. Publicar informações sobre suas práticas de compra permite que grandes marcas e varejistas prestem contas pela segurança, saúde e bem-estar dos trabalhadores em suas cadeias. Em momentos como esse, as marcas não podem se esquivar de suas responsabilidades enquanto esperam que seus fornecedores garantam a seus trabalhadores todas as disposições legalmente exigidas, incluindo salários e benefícios integrais. 

A indústria da moda é uma das grandes poluidoras do mundo, mas a maioria das empresas analisadas não divulgam o que fazem para reverter esse cenário 

Grandes empresas da indústria da moda, do Brasil e do mundo, têm um papel importante na aceleração da crise climática e são responsáveis por muitos dos abusos dos direitos humanos que persistem nas cadeias de fornecimento globais. O modelo atual de produção e consumo em grande escala não é benéfico nem para o meio ambiente, nem para o grande número de pessoas que trabalha, muitas vezes, por salários extremamente baixos e

em condições precárias para abastecer as demandas de um mercado veloz. Mas mesmo com a crise iminente, apenas 10 marcas (25%) publicam anualmente a pegada de carbono ou emissões de gases efeito estufa (GEE) de suas próprias instalações, 5 marcas (13%) publicam metas relacionadas à gestão do clima e/ou outros tópicos ambientais com base científica aprovadas pela Science Based Targets Initiative (SBTI) e somente 2 marcas (5%) publicam anualmente a pegada de carbono ou emissões de gases efeito estufa (GEE) de sua cadeia de fornecedores. 

Transparência não é sustentabilidade 

Para o Fashion Revolution, transparência é o início e não um fim, ou seja, é o primeiro passo de uma jornada que leva à responsabilização e prestação de contas que, por sua vez, levam a mudanças na prática. 

“Sabemos que a transparência sozinha não representa o tipo de mudança sistêmica e estrutural que queremos ver dentro da indústria da moda, mas ela ajuda a revelar as estruturas em vigor para que possamos entender como mudá-las.” Eloisa Artuso, diretora educacional do Fashion Revolution Brasil 

Transparência não significa sustentabilidade, mas uma importante ferramenta que joga luz ao longo de todas as etapas da cadeia de valor da indústria da moda – desde a extração da matéria-prima até o descarte. Somente trazendo à tona os desafios e problemas sociais e ambientais presentes nos bastidores da indústria, será possível agir de forma eficaz em prol dos direitos humanos e da natureza. Não há como responsabilizar empresas e governos se não pudermos ver o que realmente está acontecendo. E por isso transparência é tão importante. Baixe o ITMB 2020 e faça parte da revolução da moda! 

Baixe aqui o ITMB 2020 

Retalhar encerra ano com narrativas de sucesso socioambiental

Atores econômicos importantes contaram com os serviços da empresa B para iniciar a logística reversa de seus resíduos gerando impacto social positivo

Há sete anos solucionando problemas ambientais com valor compartilhado, a Retalhar encerra 2020 com narrativas de sucesso socioambiental. 

Ao todo, foram 20 toneladas de uniformes profissionais reciclados, que, em vez de serem destinados a aterros sanitários e gerarem gases do efeito estufa, retornaram para a cadeia de produção como matéria-prima valiosa. Atores econômicos importantes como o iFood, Palmeiras e Puma contaram com os serviços da empresa B para iniciar a logística reversa de seus resíduos gerando impacto social positivo.

Os resultados mostram que, apesar do ano desafiador, é possível fazer a diferença por um mundo mais circular e com histórias de impacto, como a de cooperativas de costureiras beneficiadas e da população em situação de rua que foi acolhida por parcerias com empresas, ONGs e sociedade civil.  

Atores importantes do mercado estão aderindo à logística reversa 

Por meio da reciclagem de resíduos de grandes geradores, a empresa B realizou a logística reversa para atores importantes do mercado. Este ano, o iFood foi um deles. A empresa líder latino-americana do setor de entrega de comidas decidiu dar um passo além e reaproveitar mochilas de delivery após o fim de sua vida útil. 

A iniciativa evitou que mais de 20 mil mochilas fossem descartadas incorretamente ou enviadas para aterros sanitários, gerando segunda vida para os resíduos têxteis e renda compartilhada para cooperativas de costureiras. Ao canal do iFood, as costureiras Maria Rosalina e Herculânia Maria relataram como se sentem felizes em trabalhar em prol da sustentabilidade obtendo renda para si próprias com a possibilidade de conciliar a atividade com os deveres familiares. 

Outros atores importantes que colocaram a logística reversa em prática em 2020 foram o Palmeiras e a Puma. Em parceria com a Retalhar, o clube esportivo e a empresa de design atlético entregaram 2 mil cobertores para instituições filantrópicas e pessoas em situação de vulnerabilidade social reutilizando uma tonelada de uniformes.

Menos poluição, mais histórias de impacto

Além de reduzir os impactos ambientais da demanda por aterros e da emissão de gases do efeito estufa, a iniciativa gerou histórias impactantes e acolhimento para pessoas como o camelô Fabiano e seu filho pequeno, que vivem em uma ocupação e foram beneficiados pela ação do time de futebol e da empresa alemã de equipamentos desportivos. 

O Makro, Bradesco, Leroy Merlin Brasil, C&A, Heineken, Nubank

e Ajinomoto também são exemplos da longa lista de empresas que já contaram com os serviços da Retalhar para dar um passo em direção à economia circular. 

Para o CEO da Retalhar, Jonas Lessa, a tendência é que iniciativas semelhantes sejam cada vez mais estimuladas e validadas por grandes empresas, já que, segundo ele:

“No mundo corporativo, muito se fala sobre a importância do colaborador ‘vestir a camisa’ e incorporar os valores da marca, mas ao menor sinal de desgaste, esta camisa é queimada, findando muitas oportunidades sociais e gerando poluição ambiental imediata. A sociedade, que consome e assim sustenta as grandes marcas, não aceitará mais a incoerência entre discurso e prática. É necessário que as empresas vistam a camisa do valor compartilhado.”

Final do ano 2020 é oportunidade para repensar fast-fashion

Em um final de ano atípico, isolamento social pode ajudar a evitar hábitos de consumo nocivos

O isolamento social necessário durante o Natal e Ano-Novo do ano de 2020 torna esses eventos atípicos. Apesar da distância entre as pessoas, o cenário é uma oportunidade para os consumidores desafiarem a indústria têxtil a adotar práticas mais amigáveis ao meio ambiente e abandonar de vez aquelas destrutivas, como o fast-fashion. 

Impactos da pandemia

A pandemia de Covid-19 anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020 gerou efeitos negativos relevantes, como perda de entes queridos, hospitalizações (e a falta destas), desemprego e desaceleração econômica forçada.  

Ainda sem perspectiva de resolução, pelo menos até o final do ano, o cenário indica que o isolamento social deve ser mantido. Dessa forma, o melhor jeito de viabilizar mais tempo futuro ao lado de quem amamos é evitando as aglomerações comuns dessa época. Porém, pelo lado positivo, esse contexto – em que o contato social é desencorajado – também pode ser uma oportunidade para revisar a cultura do fast-fashion, principalmente em festas de Natal e Ano-Novo. 

Cultura fast-fashion

O que hoje é considerado um hábito cultural, nem sempre foi assim. O fast-fashion surgiu por volta do ano de 1970, quando, ameaçada pela crise do petróleo, a indústria têxtil buscou estratégias para escoar sua produção. A prática do fast-fashion consiste em produzir coleções de peças padronizadas em larga escala, e renovadas em ciclos cada vez mais curtos. Inicialmente, eram duas coleções anuais, conforme as estações nos diferentes hemisférios, mas, atualmente, as marcas já produzem coleções quinzenais. A qualidade inferior desses produtos em relação a peças artesanais barateia a produção, aumentando a chance de escoamento da mercadoria. 

Estima-se que a duração do ciclo de uma peça fast-fashion é de no máximo seis meses, e  emite 400% mais carbono do que peças artesanais e locais. Além disso, há outros problemas envolvidos na produção têxtil em larga escala, como o grande uso de fibras de plástico que se transformam em microplástico com a lavagem, e a reprodução de relações de trabalho escravo ou análogo à escravidão, principalmente em países asiáticos.

Momento de reflexão e mudança para pessoas e empresas

Durante o Natal e o Ano-Novo, é comum que as pessoas encerrem seus ciclos de modo simbólico, desfazendo-se de roupas e comprando novas, por exemplo. Além disso, é um período de troca de presentes, e muitos destes são roupas produzidas dentro do sistema fast-fashion. 

Este ano, porém, o isolamento social gerou algumas mudanças de hábitos. Em relação à moda, um artigo mostrou que os canadenses passaram a usar mais calças moletom, desafiando os varejistas e a indústria têxtil a se adaptarem. Da mesma forma, o Natal e o Ano-Novo em isolamento podem ser uma oportunidade para o consumidor revisar os hábitos criados pelo fast-fashion, como o descarte e consumo de roupas de plástico que serão usadas no máximo 50 vezes. 

Nesse sentido, o poder de mudança de cada um não pode ser subestimado. Um relatório realizado pela parceria entre McKinsey & Company e Global Fashion Agenda avaliou os esforços necessários do setor da moda para combater a poluição ambiental. De acordo com a análise, enquanto a indústria pode reduzir as emissões de CO2 equivalente aumentando a reciclagem de fibras e o uso de energia renovável, o consumidor pode reduzir 21% das emissões de gases de efeito estufa oriundos do setor apenas com mudanças nos hábitos, como evitar o descarte e consumismo, e aderir à reforma, ao reparo e consumo consciente de roupas, alugando, trocando ou comprando peças atemporais e produzidas localmente com materiais menos nocivos, como o algodão orgânico ou reciclado. 

Modelo circular e internet podem ser solução para crise mundial pós-pandemia

Análise de big data, computação em nuvem e Internet das Coisas podem colocar fim ao desperdício e à existência de resíduos

Uma análise realizada por pesquisadores da Universidade de Warwick concluiu que a adoção de estratégias de economia circular seria a melhor maneira do mundo se recuperar da crise econômica global. Aliado à análise de big data, computação em nuvem e Internet das Coisas, esse modelo poderia revolucionar a sociedade e colocar fim ao desperdício e à existência de resíduos. 

Impactos econômicos

Segundo os pesquisadores do estudo “Uma análise crítica dos impactos da Covid-19 na economia global e nos ecossistemas e oportunidades para estratégias de economia circular”, publicado na revista Resources, Conservation and Recycling, a pandemia teve muitos efeitos na vida de todos, desde não sair de casa, ser infectado, hospitalizado, até perder um ente querido ou o emprego. 

Economicamente, o estudo aponta que houve impactos financeiros em níveis macro e microeconômico, incluindo as cadeias de abastecimento globais, o comércio internacional, o turismo, a aviação e o setor têxtil. No entanto, a pesquisa também concluiu que a pandemia provocou algumas mudanças com influências positivas na saúde humana e no planeta. No Reino Unido, por exemplo, mais vidas foram salvas pela redução dos poluentes atmosféricos em comparação com o número de pessoas que morreram com Covid-19 na China. 

A redução do ruído ambiental e do congestionamento de carros levou a um aumento no número de pessoas que se exercitam e aproveitam os espaços ao ar livre. E a diminuição do turismo resultou em menor pressão ambiental nas áreas costeiras. Além disso, o declínio no uso global de energia primária fez a demanda por carvão cair 8%, enquanto o uso de petróleo caiu 60% e a eletricidade 20%, em comparação com o primeiro trimestre de 2019, levando a uma redução recorde das emissões globais de CO₂.

Economia circular como solução para a crise

Um dos pesquisadores do estudo, Dr. Taofeeq Ibn-Mohammed, destacou que, apesar de alguns resultados positivos no contexto da pandemia, o modelo atual de extração e descarte de resíduos no ambiente não é sustentável a longo prazo, pois não reflete melhorias globais nas estruturas econômicas. 

Para o autor, a economia circular precisa ser implementada em todos os setores, com estratégias diferentes para cada um. Além disso, Ibn-Mohammed aponta que é preciso aproveitar o potencial tecnológico dentro da cadeia de suprimentos, aproveitando a análise de big data para agilizar os processos de seleção de fornecedores; a computação em nuvem para facilitar e gerenciar o relacionamento com fornecedores e a Internet das Coisas para aprimorar os processos de logística e remessa.

O autor afirma que são necessários investimentos pós-pandemia para viabilizar economias resilientes, de baixo carbono e circulares, uma vez que o modelo econômico linear dominante é deficiente. Em uma economia circular, não haveria resíduo ou poluição. Em vez disso, todos os subprodutos seriam reutilizados ou reaproveitados, ajudando a acabar com a superexploração dos recursos finitos e os danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas.

Para tornar esse processo lucrativo, os fabricantes de itens complexos, como veículos, por exemplo, precisarão usar sistemas de dados avançados baseados na internet, capazes de rastrear componentes e produtos ao longo de seus ciclos de vida, desde a origem até o uso final.  

Reciclagem de poliéster é oportunidade econômica para empresas e catadores

Resíduos têxteis podem voltar para cadeia de produção nas indústrias automobilística e imobiliária e gerar renda compartilhada

A reciclagem do poliéster é controversa, já que o uso desse material gera microplásticos, principalmente durante a lavagem de roupas. Entretanto, há uma oportunidade no mercado que não depende da indústria da moda e que pode reduzir os impactos da produção do material e a geração de microplástico: a absorção do poliéster reciclado pelos setores imobiliário e automobilístico. Além disso, reintroduzir o material na cadeia de produção poderia gerar renda compartilhada, lucro e arrecadação para o setor público.

Material controverso  

Poliéster é uma categoria ampla de polímeros, mas o termo normalmente se refere ao politereftalato de etileno, ou PET. Esse material dá origem a uma diversidade de produtos, que vão de garrafas de plástico a vestimentas. 

Com baixo custo, alta durabilidade e resistência a produtos químicos, radiação e pressão, o poliéster representa 52% das fibras têxteis do mundo, e faz parte da composição de tintas, pneus, isolantes, instrumentos, entre outros artigos. 

Por outro lado, também há desvantagens. É um material de origem não renovável e, em sua produção, há impactos socioambientais da instalação de usinas petrolíferas, além de gasto de energia e emissão de compostos orgânicos voláteis (VOCs) e efluentes. Já no consumo e pós-consumo, são gerados micro e nanoplásticos, principalmente durante a lavagem das roupas, que é responsável por gerar 35% dos microplásticos encontrados nos oceanos. 

Apesar de sua propriedade de poder ser submetido à reciclagem (o que evitaria os impactos associados à extração de petróleo), este não é o destino mais frequente do poliéster, uma vez que apenas 14% do PET presente no mercado mundial é reciclado. E a produção diária continua crescendo nas usinas de petróleo diariamente. 

Papel dos catadores na reciclagem do poliéster

No Brasil, os catadores são atores importantes na reciclagem de materiais como o alumínio. Entretanto, devido a políticas públicas ineficientes e desarticulação do setor, isso não se aplica ao poliéster. 

Em participação no webinar da 4ª edição da Brasil Eco Fashion Week (BEFW) – mediado pelo CEO da Retalhar, Jonas Lessa –  a coordenadora de projetos do aplicativo Cataki, Juliana Fullmann, aponta que a própria lei é um empecilho para a catação de PET. Segundo ela, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tem suas limitações, já que não inclui o catador autônomo dentro das definições do que é ser um catador de material reciclável. 

Isso faz com que o catador autônomo, importante agente ambiental especialmente nos grandes centros urbanos, não consiga fazer boas negociações – principalmente com garrafas PET, que fazem muito volume e pouco peso – o que acaba inviabilizando o retorno financeiro do poliéster para a categoria e, consequentemente, sua catação. 

Oportunidade para todos

O Brasil é um grande consumidor de poliéster, porém, a reciclagem desse material no País não é significativa. Todos os dias são descartados retalhos em bom estado nas ruas de grandes centros. Esses descartes podem vir a fazer parte da catação e gerar renda, uma vez que, diferente das garrafas PET, têm peso significativo com pouco volume. 

A reciclagem de poliéster é uma oportunidade de geração de renda para os catadores e outros grupos envolvidos nesse processo. Além disso, retornar o material para a cadeia produtiva com logística reversa evitaria os impactos da produção (que continua ativa) e também poderia gerar arrecadação para o setor público e lucro para empresários, sem depender da indústria da moda.