Final do ano 2020 é oportunidade para repensar fast-fashion

Em um final de ano atípico, isolamento social pode ajudar a evitar hábitos de consumo nocivos

O isolamento social necessário durante o Natal e Ano-Novo do ano de 2020 torna esses eventos atípicos. Apesar da distância entre as pessoas, o cenário é uma oportunidade para os consumidores desafiarem a indústria têxtil a adotar práticas mais amigáveis ao meio ambiente e abandonar de vez aquelas destrutivas, como o fast-fashion. 

Impactos da pandemia

A pandemia de Covid-19 anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020 gerou efeitos negativos relevantes, como perda de entes queridos, hospitalizações (e a falta destas), desemprego e desaceleração econômica forçada.  

Ainda sem perspectiva de resolução, pelo menos até o final do ano, o cenário indica que o isolamento social deve ser mantido. Dessa forma, o melhor jeito de viabilizar mais tempo futuro ao lado de quem amamos é evitando as aglomerações comuns dessa época. Porém, pelo lado positivo, esse contexto – em que o contato social é desencorajado – também pode ser uma oportunidade para revisar a cultura do fast-fashion, principalmente em festas de Natal e Ano-Novo. 

Cultura fast-fashion

O que hoje é considerado um hábito cultural, nem sempre foi assim. O fast-fashion surgiu por volta do ano de 1970, quando, ameaçada pela crise do petróleo, a indústria têxtil buscou estratégias para escoar sua produção. A prática do fast-fashion consiste em produzir coleções de peças padronizadas em larga escala, e renovadas em ciclos cada vez mais curtos. Inicialmente, eram duas coleções anuais, conforme as estações nos diferentes hemisférios, mas, atualmente, as marcas já produzem coleções quinzenais. A qualidade inferior desses produtos em relação a peças artesanais barateia a produção, aumentando a chance de escoamento da mercadoria. 

Estima-se que a duração do ciclo de uma peça fast-fashion é de no máximo seis meses, e  emite 400% mais carbono do que peças artesanais e locais. Além disso, há outros problemas envolvidos na produção têxtil em larga escala, como o grande uso de fibras de plástico que se transformam em microplástico com a lavagem, e a reprodução de relações de trabalho escravo ou análogo à escravidão, principalmente em países asiáticos.

Momento de reflexão e mudança para pessoas e empresas

Durante o Natal e o Ano-Novo, é comum que as pessoas encerrem seus ciclos de modo simbólico, desfazendo-se de roupas e comprando novas, por exemplo. Além disso, é um período de troca de presentes, e muitos destes são roupas produzidas dentro do sistema fast-fashion. 

Este ano, porém, o isolamento social gerou algumas mudanças de hábitos. Em relação à moda, um artigo mostrou que os canadenses passaram a usar mais calças moletom, desafiando os varejistas e a indústria têxtil a se adaptarem. Da mesma forma, o Natal e o Ano-Novo em isolamento podem ser uma oportunidade para o consumidor revisar os hábitos criados pelo fast-fashion, como o descarte e consumo de roupas de plástico que serão usadas no máximo 50 vezes. 

Nesse sentido, o poder de mudança de cada um não pode ser subestimado. Um relatório realizado pela parceria entre McKinsey & Company e Global Fashion Agenda avaliou os esforços necessários do setor da moda para combater a poluição ambiental. De acordo com a análise, enquanto a indústria pode reduzir as emissões de CO2 equivalente aumentando a reciclagem de fibras e o uso de energia renovável, o consumidor pode reduzir 21% das emissões de gases de efeito estufa oriundos do setor apenas com mudanças nos hábitos, como evitar o descarte e consumismo, e aderir à reforma, ao reparo e consumo consciente de roupas, alugando, trocando ou comprando peças atemporais e produzidas localmente com materiais menos nocivos, como o algodão orgânico ou reciclado. 

Modelo circular e internet podem ser solução para crise mundial pós-pandemia

Análise de big data, computação em nuvem e Internet das Coisas podem colocar fim ao desperdício e à existência de resíduos

Uma análise realizada por pesquisadores da Universidade de Warwick concluiu que a adoção de estratégias de economia circular seria a melhor maneira do mundo se recuperar da crise econômica global. Aliado à análise de big data, computação em nuvem e Internet das Coisas, esse modelo poderia revolucionar a sociedade e colocar fim ao desperdício e à existência de resíduos. 

Impactos econômicos

Segundo os pesquisadores do estudo “Uma análise crítica dos impactos da Covid-19 na economia global e nos ecossistemas e oportunidades para estratégias de economia circular”, publicado na revista Resources, Conservation and Recycling, a pandemia teve muitos efeitos na vida de todos, desde não sair de casa, ser infectado, hospitalizado, até perder um ente querido ou o emprego. 

Economicamente, o estudo aponta que houve impactos financeiros em níveis macro e microeconômico, incluindo as cadeias de abastecimento globais, o comércio internacional, o turismo, a aviação e o setor têxtil. No entanto, a pesquisa também concluiu que a pandemia provocou algumas mudanças com influências positivas na saúde humana e no planeta. No Reino Unido, por exemplo, mais vidas foram salvas pela redução dos poluentes atmosféricos em comparação com o número de pessoas que morreram com Covid-19 na China. 

A redução do ruído ambiental e do congestionamento de carros levou a um aumento no número de pessoas que se exercitam e aproveitam os espaços ao ar livre. E a diminuição do turismo resultou em menor pressão ambiental nas áreas costeiras. Além disso, o declínio no uso global de energia primária fez a demanda por carvão cair 8%, enquanto o uso de petróleo caiu 60% e a eletricidade 20%, em comparação com o primeiro trimestre de 2019, levando a uma redução recorde das emissões globais de CO₂.

Economia circular como solução para a crise

Um dos pesquisadores do estudo, Dr. Taofeeq Ibn-Mohammed, destacou que, apesar de alguns resultados positivos no contexto da pandemia, o modelo atual de extração e descarte de resíduos no ambiente não é sustentável a longo prazo, pois não reflete melhorias globais nas estruturas econômicas. 

Para o autor, a economia circular precisa ser implementada em todos os setores, com estratégias diferentes para cada um. Além disso, Ibn-Mohammed aponta que é preciso aproveitar o potencial tecnológico dentro da cadeia de suprimentos, aproveitando a análise de big data para agilizar os processos de seleção de fornecedores; a computação em nuvem para facilitar e gerenciar o relacionamento com fornecedores e a Internet das Coisas para aprimorar os processos de logística e remessa.

O autor afirma que são necessários investimentos pós-pandemia para viabilizar economias resilientes, de baixo carbono e circulares, uma vez que o modelo econômico linear dominante é deficiente. Em uma economia circular, não haveria resíduo ou poluição. Em vez disso, todos os subprodutos seriam reutilizados ou reaproveitados, ajudando a acabar com a superexploração dos recursos finitos e os danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas.

Para tornar esse processo lucrativo, os fabricantes de itens complexos, como veículos, por exemplo, precisarão usar sistemas de dados avançados baseados na internet, capazes de rastrear componentes e produtos ao longo de seus ciclos de vida, desde a origem até o uso final.  

Amazônia, crescimento econômico e benefícios socioambientais podem andar juntos

Crescimento econômico não precisa se dar às custas da destruição do bioma amazônico. Desenvolvimento e conservação podem estar lado a lado.

A Amazônia brasileira tem sido alvo de intenso debate nos últimos meses. Por conta de queimadas e desmatamento intencionais, a perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos é crescente. 

Politicamente, há quem defenda que destruir o bioma é o preço que se paga pelo desenvolvimento. Mas, o que pouco se fala, é que o crescimento da economia e do desmatamento, seja este por corte ou queimada, são inversamente proporcionais. Em outras palavras, isso significa que quanto maior é a taxa de destruição da natureza, menores são os benefícios materiais. E isso é comprovado historicamente.  

Causas e consequências

Impunidade a crimes ambientais, retrocessos políticos, grilagem e atividade agropecuária estão entre as principais motivações das queimadas e do desmatamento da Amazônia. É o que aponta um extenso relatório realizado por um grupo de trabalho conjunto de ONGs e institutos importantes como Greenpeace, WWF e Instituto Socioambiental. 

Além da perda de biodiversidade, a análise mostra que essas práticas aumentam os casos de doenças respiratórias, alteram o clima regional, colocam em risco a produtividade no campo, aumentam o risco de boicote internacional e ainda contribuem com o aumento da emissão de gases do efeito estufa, cuja emissão tem efeito negativo comprovado em estudos sobre o Custo Social do Carbono. Nada disso é convertido em riqueza ou benefícios para a população local e nacional. 

Os municípios da Amazônia estão entre os de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e IPS (Índice de Progresso Social) do País. As cidades são inchadas, com infraestrutura deficiente, sem empregos de qualidade e com concentração de renda. 

Durante o longo período de 2007 a 2016, todo o desmatamento da região representou somente 0,013% do PIB médio do País. Por outro lado, quando foram adotadas medidas de bloqueio ao desmatamento com a chamada Moratória da Soja, a produtividade local aumentou, pois as áreas já desmatadas e mal utilizadas foram melhor aproveitadas. 

Oportunidades econômicas com benefícios socioambientais

Dados históricos mostram que é possível conciliar conservação ambiental e crescimento econômico. Além da implementação de políticas públicas ambientais efetivas e perenes, como a já mencionada Moratória da Soja, o engajamento de consumidores, empresários e investidores pode fazer a diferença nos esforços de combate ao desmatamento.

Monitorar cadeias de produção que estão ligadas à Amazônia – incluindo os fornecedores indiretos -, intensificar o comprometimento com pautas ambientais e comunicar publicamente os resultados de auditorias são boas práticas empresariais. 

Consumidores e sociedade, por outro lado, podem exigir políticas públicas eficientes e apoiar a produção sustentável, incentivando empresas que incorporam boas práticas socioambientais. Nesse sentido, há boas oportunidades. Um relatório da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), de 2020, mostrou que quase dois terços dos brasileiros estão dispostos a pagar mais caro por “produtos sustentáveis” e que 88% se preocupa com o nível de preservação da floresta amazônica. 

Economia circular funciona em qualquer tipo de empresa e beneficia toda sociedade

Incorporar práticas de circularidade é produtivo para empresas e pessoas, principalmente se a iniciativa partir de grandes players do mercado

A incorporação da economia circular pelos mais diversos negócios é uma alternativa viável para empresas, governos e sociedade. Além de possibilitar a conservação dos recursos naturais, sua prática pode melhorar os processos produtivos e proporcionar benefícios socioambientais. 

Economia circular

A economia circular é um conceito baseado na ideia de ciclos. O modelo de circularidade parte do princípio que o sistema industrial deve ser regenerativo. Empresas que procuram  se adequar a esse formato substituem a ideia de “final de vida do produto” pelo conceito de restauração e menor geração de impacto socioambiental.

O modelo econômico circular pode ser implementado em todos os setores produtivos e a nível global. As empresas que a ele aderem podem inserir em seus processos design regenerativo, cradle to cradle (do berço ao berço), ecologia industrial, economia de performance, blue economy, biomimética, entre outros conceitos. A ideia principal é ir além dos limites da economia linear

Modelo linear 

No modelo linear vigente, a organização da sociedade é baseada na extração crescente de recursos naturais. E os produtos feitos a partir desses recursos são utilizados até serem descartados como resíduos. Nessa forma de economia, a maximização do valor dos produtos se dá pela maior quantidade de extração e produção. 

O resultado é o aumento da poluição em suas diversas formas, esgotamento dos recursos naturais, degradação ambiental e mal-estar social. Os resíduos tratados como descarte, por exemplo, podem ser prejudiciais para empresas, pessoas e ambiente. Eles podem vir a demandar mais espaço em aterros, impedindo o uso do local para fins mais nobres; deixam de ser novas matérias-primas que poderiam ser reutilizadas pela empresa e, em decomposição, podem liberar gases que contribuem para a poluição do ar, um problema que agrava as mudanças climáticas e já mata milhares de pessoas por ano no mundo, segundo estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Papel dos grandes players

Na prática, os negócios podem começar a se alinhar aos princípios da economia circular ao incluir o uso de energia renovável, substituir produtos químicos nocivos por alternativas mais limpas e eliminar ou reduzir a geração de resíduos por meio de melhorias no desenho industrial e nos negócios; contratando, por exemplo, serviços prestados por empresas recicladoras. Grandes players do mercado têm um potencial de colaborar com  a economia circular de modo significativo; não só pela escala com que produzem e repetem processos, mas também pela sua influência no mercado, que incentiva outras empresas a adotarem práticas semelhantes.

Parceria entre Palmeiras, Puma e Retalhar é exemplo de responsabilidade socioambiental

Juntos, clube e empresas reciclam uma tonelada de uniformes de funcionários e atletas para doar 2 mil cobertores a abrigos e pessoas em situação de vulnerabilidade social

O Palmeiras e a Puma entregaram 2 mil cobertores para instituições filantrópicas e pessoas em situação de vulnerabilidade social durante o inverno do mês de agosto. O material foi confeccionado pela Retalhar, que utilizou como matéria-prima uma tonelada de uniformes usados pelo clube. 

Reciclagem

Todos os anos, os clubes de futebol realizam mudanças nos modelos de seus uniformes. Mudanças de patrocínio e saída de funcionários são alguns dos motivos pelos quais milhares de peças em bom estado sejam enviadas a aterros sanitários todos os anos. Porém, esse ano, como parte do programa de responsabilidade institucional Por um Futuro Mais Verde, o Palmeiras resolveu dar um melhor destino aos seus uniformes. 

Tudo começou com uma parceria com a Retalhar, empresa B certificada que resolve problemas sociais e ambientais por meio da logística reversa de uniformes profissionais e resíduos têxteis. O processo consiste, basicamente, em retirar as partes metálicas e não recicláveis de cada peça. Em seguida, os uniformes entram em uma máquina para serem triturados até virarem um emaranhado de fibras. 

Em uma outra fábrica, essas fibras passam por uma etapa de aglutinação e então são transformadas em cobertores. Nesse processo, uma tonelada de resíduos, incluindo uniformes usados e retalhos desperdiçados na fabricação foram reciclados e deixaram de ser enviados a aterros para dar forma a 2 mil cobertores que foram doados a instituições filantrópicas e pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Impacto socioambiental

Os cobertores foram doados para abrigos, asilos e pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social nas ruas de São Paulo, enfrentando o inverno da cidade. O atacante palmeirense Luiz Adriano entregou alguns deles pessoalmente em nome do clube. E um dos beneficiados foi Fabiano, que é pai solteiro, camelô e mora em uma ocupação com seu filho pequeno.  

O Frei Augusto, que é Coordenador da Ordem São João de Deus, instituição beneficiada pela ação, expressou seu agradecimento: “nesses tempos de Covid as dificuldades aumentam e os cobertores do Palmeiras chegaram em boa hora. Nossa gratidão nos faz sentir recompensados por esse ato de generosidade”. 

A parceria entre o Palmeiras, a Puma e a empresa Retalhar é um exemplo de responsabilidade social que precisa ser seguido por outros clubes e empresas com grandes volumes de uniformes, já que, segundo o CEO da Retalhar, Jonas Lessa,  “o Brasil não é um país que recicla nem os resíduos convencionais de coleta seletiva, quem dirá resíduos têxteis. Se você olhar os relatórios não se menciona o têxtil. Como se não fosse um resíduo que estivesse na casa de todos nós”.