Campanha “Existe Amor em SP” leva acolhimento para pessoas em situação de rua

Parceria entre Retalhar e Instituto Ninho Social distribui máscaras e cobertores feitos a partir de resíduos têxteis

Líderes mundiais e especialistas da área de saúde afirmam que a chegada do inverno pode ser um período de maior disseminação do novo coronavírus e que as populações vulneráveis socialmente, como aquelas em situação de rua, serão afetadas de forma mais severa. Ao mesmo tempo, dados oficiais revelam aumento da desigualdade social e que até mesmo em cidades ricas, como São Paulo, o número de pessoas vivendo nas ruas é significativo. Por isso, em uma parceria, a Retalhar e o Instituto Ninho Social lançaram a campanha “Existe Amor em SP”. A ideia é distribuir máscaras de tecido e cobertores para a população vulnerável a partir da reciclagem de resíduos têxteis.

Período de inverno não é igual para todos

No Brasil, o inverno se inicia no final de junho e acaba no final de setembro, sendo o período mais frio do ano. Em São Paulo, quando é mais rigoroso, ele pode chegar à temperatura recorde de -2,1ºC. Isso não seria um problema se todas as pessoas tivessem como se aquecer dentro de suas residências. Mas, segundo dados da prefeitura de São Paulo do ano de 2019, há 24.344 pessoas em situação de rua, onde o frio é mais intenso. 

Desigualdade exacerbada pela chegada do novo coronavírus 

De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a COVID-19 exacerbou as desigualdades nacionais e criou novas disparidades que estão atingindo as pessoas mais vulneráveis de forma mais severa, como aquelas que vivem nas ruas. 

Nesse sentido, a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) da ONU, Carissa F. Etienne, alertou que a preparação para o inverno é fundamental para que todos latinos-americanos possam mitigar a disseminação do novo coronavírus, sejam pessoas que vivem nas ruas ou que habitam residências. Segundo Etienne, o inverno “alimenta infecções respiratórias – como influenza sazonal e pneumonia – que podem se espalhar rapidamente em climas mais frios e à medida em que mais pessoas se reúnem em ambientes fechados para se aquecer”.  

Propondo soluções para esse cenário, a  líder técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a COVID-19, Maria Van Kerkhove, afirma que há formas de prevenir a si mesmo da infecção e de evitar a transmissão do vírus para outras pessoas. Além de se manter bem informado, segundo ela, é preciso fazer o que muitas pessoas já sabem: lavar as mãos, praticar o isolamento social e usar máscara de proteção. 

Campanha “Existe Calor em SP”

Pensando no inverno da população que habita as ruas, a Retalhar e o Instituto Ninho Social – organização que atua com pessoas em situação de vulnerabilidade  –  lançaram a campanha “Existe Calor em SP”. A parceria, que conta com o apoio da Cotton Move e Souza & Campos, está transformando resíduos têxteis em calor e acolhimento para a população em situação de rua: são confeccionadas máscaras de tecido e cobertores que são doados ao longo do inverno de 2020. Para saber como você pode colaborar com essa campanha, dê uma olhada no endereço: https://www.projetoatalho.com.br/existecaloremsp.

Além disso, há oportunidade de engajamento para empresas: aquelas que contratarem o serviço de destinação correta, segura e responsável de uniformes com a Retalhar durante o mês de Julho também poderão contribuir para o combate ao frio e à COVID-19 nas ruas paulistanas aderindo ao Pacote Solidário, com condições especiais para que o impacto social positivo seja ainda maior.

Pandemia convida sociedade a repensar gestão dos resíduos

Pesquisadores e catadores apontam desafios no modelo de gestão de resíduos agravados pela disseminação do novo coronavírus e o CEO da Retalhar dá sua opinião a respeito 

A pandemia da Covid-19 aumentou o uso de embalagens de uso único, máscaras não reutilizáveis e luvas, impondo novos desafios à sociedade. Esse fato é evidenciado pelos relatos de catadores e pelo aumento da quantidade desses itens encontrada no ambiente por pesquisadores, em diferentes regiões do mundo. 

Aumento do uso de embalagens, máscaras e luvas 

De acordo com o Jornal The Guardian, mergulhadores membros da Opération Mer Propre, que atuam coletando resíduos na Côte d’Azur, na França, ficaram preocupados ao encontrar luvas, máscaras e embalagens de antissépticos no mar Mediterrâneo. Segundo o mesmo jornal, a OceansAsia, de Hong Kong, também demonstrou preocupação depois que pesquisadores acharam 70 máscaras em apenas 100 metros de uma ilha completamente inabitada, revelando que o aumento no uso desses itens e sua destinação incorreta já estão gerando poluição para o ambiente. 

No Brasil, o cenário é semelhante. O catador Roberto Rocha conta, no episódio 61 do podcastVozes do Planeta”, que a coleta de recicláveis aumentou durante a pandemia, sem crescimento correspondente na taxa de reciclagem. Ele afirma que o volume de resíduos destinado de modo incorreto cresceu principalmente por causa dos deliverys e que, quando os itens não escapam para o ambiente (ou são jogados intencionalmente), estão sendo enviados diretamente para os aterros sanitários, sem reciclagem. 

Destinação incorreta e saúde dos catadores

Como se não bastasse o cenário dos itens recicláveis que têm escapado para o ambiente ou ido parar no aterro sanitário sem reciclagem, alguns consumidores têm enviado rejeitos perigosos para cooperativas de reciclagem. “Eles estão recebendo muita luva e muita máscara e ficam apavorados quando abrem os sacos com esses itens”, conta Roberto. De acordo com as experiências recentes do catador, as pessoas estão colocando máscaras e luvas usadas no material destinado para a reciclagem, o que aumenta o medo e a vulnerabilidade dos trabalhadores ao vírus. 

Papel dos governos, empresas e pessoas 

Ellen Caroline, colega de trabalho do Roberto, acrescenta que é preciso haver conscientização sobre a importância de não colocar resíduos perigosos, como máscaras usadas, no destino dos recicláveis. Em relação aos recicláveis, ela afirma que eles precisam ser lavados e deixados de quarentena antes de serem enviados para a coleta seletiva, de preferência em sacos azuis, que são próprios para isso. Já as máscaras e luvas usadas precisam ser bem embaladas, deixadas de quarentena e colocadas no destino dos rejeitos. 

Ambos catadores acreditam que é preciso haver políticas inclusivas, e não o que eles chamam de “assistencialismo”. É necessário haver valorização do trabalho de catação como um negócio viável e aumentar o uso de máscaras reutilizáveis, com um melhor desenho. Além disso, o número de empresas recicladoras também precisa crescer, pois separar o material para a coleta seletiva não é suficiente, já que é preciso que a reciclagem aconteça, de fato.

De acordo com o CEO da Retalhar  “nesse momento, as empresas são os agentes com as melhores condições de combinar agilidade, escala e engajamento de massa”. Para ele, “o  contexto pede ações concretas para reduzir os danos aos mais necessitados sem deixar de redirecionar posicionamentos – e os próprios modelos de negócio – para caminhos de conciliação. Parece pouco provável que tenhamos sucesso a nível nacional e global sem o engajamento direto do setor empresarial. Afinal de contas, não teremos, por exemplo, um grande volume de empresas recicladoras se não houver demanda por material reciclado partindo dos grandes players do mercado”.